Muitas vezes, durante uma situação qualquer, tomado de alegria desejo que o momento não passe, como se eu pudesse congelar aquele instante no tempo e permanecer imerso na sensação que ele proporciona. Em outros momentos, de aflição, de dor, de expectativa ou ansiedade, desejo que o momento acabe antes do que é fisicamente possível. Há ainda momentos de dor que sinto vontade de extender - por culpa, remorso, enfim, Freud provavelmente teria uma boa explicação.
Do lado direito do meu peito está tatuado, em caracteres arábicos, o ditado persa "In niz bogzarad". A tradução usual é "Isto também passará". Não sei até que ponto está correto - não conheço persa nem o suficiente para fazer a diferença entre o sujeito e o predicado da frase - mas acredito que a essência da frase independa da língua nesse caso.
Conta uma lenda que a frase surgiu quando um rei, desejoso de possuir um objeto que tivesse o poder de tornar alguém feliz quando estivesse triste, e triste quando estivesse feliz, entregou a um grupo dos homens mais sábios de seu reino um anel, no qual deveria ser inscrita uma frase com tal poder. Algum tempo depois o grupo de sábios devolveu o anel ao rei, inscrito com a dita frase - isto também passará.
Há inúmeras variações da frase na cultura popular ou erudita, do "Tudo passa, até uva passa" ao "Eles passarão... Eu passarinho!" de Mario Quintana. Mas o que todas essas versões do ditado querem dizer é apenas uma coisa: nada nesta vida é permanente. A mudança é a essência da vida.
Uma vez li que cada átomo de nosso corpo, a cada período de tempo (alguns anos, acredito eu), devido à morte e renovação celular, muda. Supondo que essa renovação completa leve 7 anos, eu poderia dizer que a pessoa que eu era 7 anos atrás não é a mesma que sou hoje. Não é a mesma porque é outro corpo. Outra matéria. Talvez milhares ou milhões de partes de quem eu era hoje façam parte de milhares ou milhões de outras pessoas. A informação na minha mente permanece (ou não?), mas o corpo é outro.
Pedras, montanhas, lagos, se deixados aos seus próprios recursos, não mudam. Talvez seja isso no fundo que sempre usamos como parâmetro para determinar o que constitui um ser vivo: aquilo que muda.
Por que é então que estamos sempre lutando com essa característica da vida, talvez a mais fundamental de todas? Pensando nisso me lembrei do personagem Gandalf, da trilogia de livros de JRR Tolkien transformada em filme por Peter Jackson. Durante uma cena, um monstro de fogo e sombra chamado Balrog tenta destruir os integrantes da sociedade do anel em sua jornada para Mordor. Gandalf, um mago, usa seu poder para impedir a criatura de passar e chegar até os outros, gritando: "Você não passará!". O Balrog não consegue passar, e o conflito resulta em sua queda em um abismo - mas não sem carregar Gandalf com ele.
Pouco importa se Gandalf retornou à vida posteriormente - não é a mitologia de Tolkien que quero discutir - o fato é que sua recusa em deixar que o monstro passasse exigiu seu próprio sacrifício.
Talvez, sem saber, seja isso que estamos fazendo quando exigimos de um instante "Você não passará!". Quando tentamos impedir a mudança, talvez estejamos impedindo a vida, e só o que pode resultar disso é morte - talvez não em sentido literal, mas com certeza a morte de outros momentos reservados para nós que nos recusamos a encontrar por nos acharmos por demais presos a um momento que nos recusamos deixar passar.
Uma segunda tatuagem, dessa vez em minha perna - um trecho de uma música da banda Devil Sold His Soul - diz "First light never to be seen again", ou seja, "A primeira luz nunca é vista de novo". Se pudéssemos de alguma forma segurar o nascer do sol precisamente quando seus primeiros raios são lançados, iluminando o horizonte e dissipando a escuridão da noite, não saberíamos como é iluminado ao meio dia, nem poderíamos apreciar um poente ou a luz solar refletida na lua à noite. Parece-me que cada momento, bom ou ruim, tem o seu lugar na vida, e o que o torna importante para nós é justamente que daqui a mais um instante ele não estará mais lá.
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