terça-feira, 30 de outubro de 2012
terça-feira, 16 de outubro de 2012
Filmes, Livros e o Sentido da Vida
Hoje me peguei pensando sobre um filme que assisti recentemente: Mr Nobody. Ele conta a história do último homem mortal no planeta - já que no filme, que se passa no futuro, a tecnologia e a medicina estão tão avançados que ninguém mais morre. Fiquei fazendo esse exercício de imaginação, que na verdade nem parece tão difícil, já que vencer a morte não parece mais um objetivo assim tão distante e nebuloso quanto no passado.
E se não precisássemos mais morrer? Acredito que muitas pessoas achariam isso bom, mas não consigo imaginar como o poderia ser. O que faríamos com a vida se não fôssemos morrer? Talvez ficássemos num estado de torpor permanente: tudo poderia ser adiado e nada mais seria urgente. Seria possível sequer a existência da sociedade como a conhecemos?
Apesar do pano de fundo do filme ser essa comunidade global futurista sem morte, o filme se concentra nas escolhas pessoais do personagem principal: escolhas feitas e escolhas não feitas, sem nunca deixar claro qual é qual; uma espécie de Kwisatz Haderach ao contrário (quem estiver familizarizado com o Duna de Frank Herbert entenderá). E creio que entendo porquê. Sem a perspectiva da morte e do tempo que se perde para nunca mais voltar, que importância tem uma escolha? Tudo seria nulo e sem valor. Quem se importa se você escolher o pior caminho possível, se você sempre terá a eternidade para mudar e escolher outra coisa depois?
Dar sentido à vida mortal já é difícil o suficiente; como seria então dar sentido a uma vida que nunca acabará? Seria isso até mesmo possível? Muito apropriada aqui seria a piada de Douglas Adams em seu Guia do Mochileiro das Galáxias: quando perguntado sobre o significado da vida, do universo e tudo o mais, o computador Deep Thought - na verdade o maior e melhor computador já construído - responde apenas: 42.
Nossas escolhas só tem importância porque não podemos voltar atrás. Talvez seja essa irreversibilidade mesma das escolhas que dê sentido à existência. Há dois filmes de que gosto bastante que ilustram esse dilema fundamental da vida de forma bastante apropriada e dramática.
O primeiro deles é Sete Vidas, do diretor Ben Thomas. No filme, um homem decide doar todos os seus órgãos para se redimir por erros do passado, mas se apaixona por uma das pessoas que receberia um deles. Qual a escolha certa? Se ele doar seus órgãos, como planejado, a mulher que ama viverá, mas ele estará morto. Se ele desistir da doação para estar com a amada, eventualmente é ela que morrerá.
O outro filme se chama A Fonte, de Darren Aronofsky. O filme é sobre um cientista que está pesquisando a cura (e está bem perto dela) de um tipo raro de câncer, que coincidentemente sua mulher possui. A mulher está conformada com a morte, e tenta passar todos os momentos possíveis com o cientista. Este, porém, está tão perto de descobrir a cura que acredita que conseguirá desenvolvê-la a tempo de salvar sua esposa. De novo, qual a resposta certa? Ele pode conseguir a cura, mas talvez não a tempo, e sua mulher morrerá, e ele não terá passado seus últimos momentos com ela. Ou ele pode aproveitar o tempo que resta com ela, mas sabendo que ela inevitavelmente estará morta em breve.
A vida é cheia desses doublebinds, e nunca há resposta certa. Toda decisão que tomamos está elegendo um caminho e destruindo inúmeros outros para sempre. Neste exato momento, enquanto escrevo, estou preso numa caixa de concreto, com um computador à minha frente cheio de números na tela. O dia lá fora está bonito. E estou aqui para que amanhã eu possa estar vivo. Mas será que faz algum sentido eu ficar aqui para poder sobreviver até amanhã, se amanhã estarei novamente aqui, somente para poder sobreviver até depois de amanhã? Não faria mais sentido "viver o dia" e morrer de fome amanhã?
Muitas vezes tenho a impressão de que a vida não passa de uma piada de mal gosto, e que, como diz o personagem do Al Pacino no Advogado do Diabo, deus está se mijando de rir de nós.
terça-feira, 9 de outubro de 2012
Sísifo e a Psicanálise
"Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio." Esta é a frase com que Albert Camus abre o livro "O Mito de Sísifo", e ela sempre ficou ecoando na minha cabeça. O título se refere ao titã da mitologia grega que, após a luta com os deuses, foi condenado pelo Olimpo a eternamente empurrar montanha acima uma grande pedra, apenas para, chegando ao cume, vê-la rolar de volta à base, tendo que iniciar novamente seu trabalho. Para Camus, se entendi bem suas idéias, a vida é essencialmente absurda, como o trabalho do titã em questão: qual o propósito de continuar empurrando tal pedra, se sabemos que o trabalho não terá nenhum resultado?
Apesar do existencialismo poder ser considerado uma filosofia pessimista, a resposta de Camus ao problema sempre me pareceu um tanto quanto arbitrariamente otimista. Ele diz que, ao chegarmos ao pico da montanha, naquela fração de segundo entre o término do trabalho de empurrar a pedra e a ação gravitacional que a fará rolar novamente, anulando o esforço que acabamos de empreender, temos um momento de pura lucidez em que o trabalho parece valer a pena. E é esse periódico momento de lucidez que, para ele, torna o suicídio uma resposta inaceitável ao absurdo da vida. Ouso discordar.
Sísifo não empurrava a pedra porque via sentido em seu trabalho. Ele o fazia porque era obrigado por uma força mais poderosa que ele, nesse caso, os deuses do Olimpo. E isso me leva a Freud.
Quando Sigmund Freud desenvolveu sua teoria psicanalítica, foi dito que ele feriu a humanidade com a terceira ferida narcísica. As duas primeiras foram a descoberta de que a Terra não é o centro do universo através de Copérnico, e a segunda a de que os seres humanos são produtos de mero acaso evolutivo, e não criações especiais de um deus todo-poderoso. Freud então desferiu o golpe final quando demonstrou que, a despeito de toda a nossa racionalidade, grande parte do que somos e de como agimos não está sob o nosso controle, sendo produto de uma outra parte de nós que ele chamou de inconsciente.
E é isso que, na minha opinião, nos mantém vivos. Mesmo sabendo que, racionalmente, não há sentido algum em continuar empurrando uma pedra que vai rolar de volta à base da montanha, há uma espécie de força, fora do controle da razão, que nos força a continuar a fazê-lo. Alguns a chamam de deus, outros de destino; eu a chamo, com Freud, de inconsciente.
"We are a psychic process which we do not control, or only partly direct." - Carl Gustav Jung
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
Sexo, drogas e Rock'n'Roll
É dificilmente questionável que o instinto sexual é a mais poderosa força propulsora no comportamento humano. Se, porém, eu contentar-me em explicar esse impulso apenas em razão de forças evolutivas para a perpetuação da espécie, estarei correndo grande risco de soar simplista e ignorar os fatores psicológicas e sociais envolvidos.
Por que desejamos o orgasmo? Alguém disse uma vez que buscamos nele a anulação, a dissolução do ego. Não por acaso o orgasmo já foi chamado de petite mort, ou pequena morte: um momento em que nos fundimos à não existência ou talvez à toda a existência, de forma que por alguns segundos sentimos como se não existíssemos. Seria o sexo um desejo de morte? Há uma longa discussão de Freud em torno do sexo, do princípio do prazer e do desejo destrutivo, ou tânato.
Se considerarmos o sexo como uma forma de suicídio temporário e seguro, fica fácil entender de onde vem a associação de idéias do velho chavão "sexo, drogas e rock'n'roll". Drogas, sejam elas legais ou ilegais - cigarros, álcool, maconha, heroína, cocaína, ou mesmo cafeína e outras -ínas - possuem também o propósito de mitigar a sensação de realidade e existência. Além do efeito entorpecente que podemos associar à petite mort, há também o fator fisiológico - qualquer droga destrói lentamente o corpo. Suspendamos por um momento o pré julgamento que se faz de alguém que se droga como alguém que vive de forma "errada". Será que o que leva alguém a se drogar não é exatamente o mesmo instinto de morte que nos leva a buscar o orgasmo?
O rock'n'roll, por sua vez, é um estilo musical associado amplamente à destruição, quebra de padrões, rebeldia e a subversão. Ou seja, é claramente a trilha sonora perfeita para qualquer ato motivado pelos instintos tanáticos.
O bordão foi criado numa época de revolução social, talvez motivada pelas décadas a fio de repressão cultural desses poderosos instintos. Não sei até que ponto isso prova o que quer que seja, mas fica bem claro para mim que o ser humano precisa destruir - e às vezes destruir-se - tanto quanto precisa construir.
Por que desejamos o orgasmo? Alguém disse uma vez que buscamos nele a anulação, a dissolução do ego. Não por acaso o orgasmo já foi chamado de petite mort, ou pequena morte: um momento em que nos fundimos à não existência ou talvez à toda a existência, de forma que por alguns segundos sentimos como se não existíssemos. Seria o sexo um desejo de morte? Há uma longa discussão de Freud em torno do sexo, do princípio do prazer e do desejo destrutivo, ou tânato.
Se considerarmos o sexo como uma forma de suicídio temporário e seguro, fica fácil entender de onde vem a associação de idéias do velho chavão "sexo, drogas e rock'n'roll". Drogas, sejam elas legais ou ilegais - cigarros, álcool, maconha, heroína, cocaína, ou mesmo cafeína e outras -ínas - possuem também o propósito de mitigar a sensação de realidade e existência. Além do efeito entorpecente que podemos associar à petite mort, há também o fator fisiológico - qualquer droga destrói lentamente o corpo. Suspendamos por um momento o pré julgamento que se faz de alguém que se droga como alguém que vive de forma "errada". Será que o que leva alguém a se drogar não é exatamente o mesmo instinto de morte que nos leva a buscar o orgasmo?
O rock'n'roll, por sua vez, é um estilo musical associado amplamente à destruição, quebra de padrões, rebeldia e a subversão. Ou seja, é claramente a trilha sonora perfeita para qualquer ato motivado pelos instintos tanáticos.
O bordão foi criado numa época de revolução social, talvez motivada pelas décadas a fio de repressão cultural desses poderosos instintos. Não sei até que ponto isso prova o que quer que seja, mas fica bem claro para mim que o ser humano precisa destruir - e às vezes destruir-se - tanto quanto precisa construir.
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